PEÇAS SOLTAS

Vermelho

Lilany Pacheco (EBP/AMP)




Única menina entre dois irmãos ela encontrava no olhar do Outro a surpresa ante a verificação de que ela era uma menina. As roupas que usava e o tipo físico escamoteavam a diferença entre os sexos. “Operária padrão”, como ela se nomeia, se faz notar pelo modo como se veste - calça jeans, camiseta branca e sapato unissex – “um uniforme para não ter que pensar o que vestir". Busca a análise por algo que apareceu repentinamente em seu corpo - uma vermelhidão que sobe do pescoço em direção a face, queima, e às vezes produz escamações. Com a análise se dá conta de que o “vermelho”, como ela diz, aparece após ter feito uma travessia a nado, em alto mar. A natação fora adotada como técnica para relaxar o corpo sempre tenso. Ela se prepara para a prova em sigilo. Surpreende a todos e a si mesma, ao se dar conta de que havia terminado a prova e estava viva. Pensa: “com ritmo e calma eu posso atravessar o mundo”. O corpo, entretanto, não se deixa uniformizar e faz seu retorno, destacando esse “vermelho”, pedaço de real, peça solta que denuncia, agora já se sabe, o feminino que não pode advir.


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